sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Os 100 melhores artigos culturais do século 21!

Fim de ano é tempo de fazer uma retrospectiva do ano que passou e planejar o novo que está por vir. Recordar é analisar, também, os sucessos e as frustrações que passaram para aprender com eles. Neste fim de 2010, a revista BRAVO!, na edição de dezembro, elegeu as obras mais importantes e signifigativas para a cultura lançadas entre 2001 e 2010. Cada categoria cultural teve direito a dez indicações. Para fazer a seleção, a revista recorreu à ajuda de curadores, críticos, professores e jornalistas especializados em cada uma das áreas analisadas. Take a look!

Cinema

Dez filmes brasileiros fundamentais

1 - Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho (2001).
Para o veterano documentarista, todo indivíduo, diante de uma câmera, torna-se personagem de si mesmo. Em Jogo de Cena, ele radicaliza essa ideia e transita pelo fio tênue que separa a realidade da representação ao misturar relatos de mulheres anônimas com os de atrizes convidadas (Andrea Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra, entre outras), que reinterpretam os mesmos depoimentos. O resultado desse embaralhamento ardiloso e sutil transcende a contundência dos dramas narrados e confunde o espectador, que não consegue identificar quais são os reais protagonistas das histórias.

2 - Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho (2001).
O atormentado André retorna à fazenda da família e enfrenta a tirania do pai e o amor incestuoso por sua irmã. Na adaptação do romance homônimo e densamente poético de Raduan Nassar, o diretor consegue traduzir em linguagem cinematográfica recursos essencialmente literários, transformando sensações em imagens igualmente impactantes. A faceta trágica dessa perversa parábola do filho pródigo ambientada entre imigrantes libaneses no interior do Brasil ganha ainda mais força graças às sólidas atuações de Selton Mello (André) e Raul Cortez (o pai).

3 - Santiago, de João Moreira Salles (2007).
O documentarista João Moreira Salles filmou em 1992 palavras e gestos de Santiago Badariotti, mordomo argentino de personalidade singular que trabalhou por 30 anos na casa de sua família, no Rio de Janeiro. O cineasta retomou o material somente uma década depois e resolveu transformá-lo num filme sobre sua própria relação com Santiago - muitas vezes autoritária - e com o ato de filmá-lo. Nesse corajoso processo de autoexposição, acabou iluminando o lugar incômodo de certa elite social e intelectual brasileira diante do mundo do trabalho e da cultura.

4 - Cidade de Deus, de Fernando Meirelles (2002).
Longa brasileiro de maior repercussão internacional da década, o thriller de Fernando Meirelles, baseado no livro de Paulo Lins, gerou controvérsia por seu retrato da favela como império da violência. Filmado com vigor e competência, reciclando técnicas da TV, da publicidade e do videoclipe, Cidade de Deus incorpora em seu elenco principal atores surgidos nas próprias comunidades pobres do Rio de Janeiro, o que confere à sua dramaturgia autenticidade e frescor inauditos. Por tudo isso, tornou-se uma referência incontornável para outras produções sobre o tema.

5 - Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, de Karim Ainouz e Marcelo Gomes (2009).
Da união dos talentos de Ainouz e Gomes, surgiu esse inusitado road movie, em que um geólogo (Irandhir Santos) se aprofunda no sertão para estudar as condições de transposição de um rio. Enquanto filma as pessoas e paisagens com que cruza em seu caminho, o protagonista (que jamais aparece) fala em off sobre a mulher que o abandonou. Do contraponto entre o que se vê e o que se ouve, os diretores constroem um híbrido de ficção e documentário que tira o máximo proveito estético e poético da precariedade das imagens.

6 - Serras da Desordem, de Andrea Tonacci (2006).
Partindo da história real de um sobrevivente do massacre de uma aldeia indígena, Tonacci se vale de imagens de arquivo e da reencenação do crime para tentar compreender o conflito entre duas culturas.

7 - O Invasor, de Beto Brant (2002).
Um assassino de aluguel chantageia os empresários que o contrataram para matar um terceiro sócio. No filme, as ligações perigosas entre o capital e o crime aparecem em cenas de densidade psicológica e muita ação.

8 - O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento (2004).
Meses antes da implosão do presídio do Carandiru, em São Paulo, os detentos recebem equipamentos do diretor para filmar seu próprio cotidiano, revelando a vitalidade do humano sob condições desumanas.
9 - Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky (2001).
Inspirado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano, o filme narra o drama de um rapaz internado pelo pai num hospício por fumar maconha. Veemente libelo antimanicomial, com atuação visceral de Rodrigo Santoro.
10 - Tropa de Elite 1 e 2, de José Padilha (2007 e 2010).
De modo pouco usual no cinema brasileiro, Padilha aborda o narcotráfico e a corrupção sob a ótica de um policial. Acusados de apostar no maniqueísmo, os filmes atraíram mais de 12 milhões de espectadores.

Consultores: Cássio Starling Carlos; Ismail Xavier; José Geraldo Couto; Ricardo Calil


Dez filmes estrangeiros fundamentais

1 - Dogville, de Lars Von Trier (2003).
Partindo de uma situação singela, o dinamarquês Lars Von Trier construiu uma das parábolas mais originais sobre a sociedade norte-americana, vista como uma rede cruel de relações de dominação. No enredo, uma jovem forasteira (Nicole Kidman), perseguida por gângsteres, busca refúgio em um vilarejo próximo às Montanhas Rochosas dos Estados Unidos, na época da Grande Depressão. Todo o filme se passa num único cenário, um enorme palco sem paredes, com marcações no chão que representam objetos e lugares. A inusitada forma antinaturalista da encenação potencializa o olhar crítico do cineasta.

2 - Cidade dos Sonhos, de David Lynch (2001).
Nesse longa-metragem perturbador, de narrativa elíptica, uma garota sonhadora (Naomi Watts), recém-chegada a Hollywood, acolhe uma mulher (Laura Harring) que perdeu a memória depois de um acidente. Sequências desconexas, apoiadas numa densa atmosfera de mistério, embaralham personagens e situações, colocando em xeque as noções de sonho e vigília, de real e imaginário. Uma brilhante reflexão do diretor norte-americano sobre as crises de identidade que atormentam o homem contemporâneo.

3 - O Pântano, de Lucrecia Martel (2001).
O filme de estreia da cineasta argentina evidencia seu talento para a observação sutil das relações humanas e das pulsões contraditórias dos indivíduos. Entre relações decadentes e o desconforto de um intenso verão, duas famílias convivem numa casa próxima a um pântano. A embriaguez (alcoólica ou não) dos personagens é traduzida em movimentos de câmera muitas vezes desconfortáveis, que incorporam tropeços, e acentuada pelos ruídos que se sobrepõem às falas. O clima geral de pasmaceira e inconsequência foi visto como uma metáfora da Argentina.

4 - Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci (2003).
Enquanto os incêndios e as barricadas das revoltas estudantis agitam as ruas de Paris em maio de 1968, três jovens vivem um insólito triângulo amoroso e mergulham em jogos eróticos e intelectuais. O italiano Bertolucci­ transforma o relacionamento entre um estudante norte-americano e dois irmãos anglo-franceses no núcleo narrativo de todo um contexto cultural, promovendo a intersecção entre política, arte e sexualidade. Uma visão crítica e amorosa do sonho utópico de mudar o mundo e transformar o homem.

5 - Elefante, de Gus Van Sant (2003).
O norte-americano Gus Van Sant traça nesse filme um retrato cruel da juventude como um momento de incompreensão e incompletude. Toda a trama gira em torno de um colégio dos Estados Unidos onde dois alunos promovem um assassinato em massa de colegas e professores. As chacinas reais ocorridas em Columbine e outras escolas do país serviram de inspiração para o diretor. A narrativa, fragmentada no olhar subjetivo de cada personagem, confere veracidade à trama e rendeu a Van Sant a Palma de Ouro em Cannes.

6 - Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, de Apichatpong Weerasethakul (2010).
À beira da morte, Boonmee recebe o fantasma da esposa e vê o filho metamorfoseado em símio. O diretor tailandês faz do realismo fantástico matéria-prima da vida cotidiana.

7 - Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino (2009).
Durante a Segunda Guerra Mundial, na França ocupada, judeus norte-americanos especializados em caçar e escalpelar nazistas planejam matar o próprio Adolf Hitler. Audacioso, o diretor norte-americano inverte os papéis e transforma vítimas em algozes.

8 - Vincere, de Marco Bellocchio (2009).
O cineasta italiano investiga o fascismo através do drama de Ida Dalser, amante de Benito Mussolini. Entre a história e a ficção, o personagem do ditador (Filippo Timi) é aos poucos substituído por imagens reais do tirano. Impressionante.

9 - Ponto Final - Match Point, de Woody Allen (2005).
Um ex-tenista se apaixona pela namorada do amigo rico e precisa optar entre a paixão e o dinheiro. Nesse competente suspense do diretor nova-iorquino, escolhas mundanas e questões metafísicas interferem em igual medida na vida dos personagens.

10 - Caché, de Michael Haneke (2005).
Apresentador de talk-show encontra na caixa de correio vídeos com imagens roubadas de sua vida privada. Exemplo precioso do chamado "cinema da crueldade", em que o alemão Haneke sobrepõe a violência psicológica à física.
Consultores: Cássio Starling Carlos, crítico, curador e pesquisador da história do audiovisual; Ismail Xavier, professor de cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo; José Geraldo Couto, crítico, tradutor e colunista da Folha de S.Paulo; Ricardo Calil, diretor de redação da revista Trip, crítico e codiretor do documentário Uma Noite em 67


Música

Dez discos fundamentais lançados por artistas brasileiros

1 - Ventura, do Los Hermanos (BMG, 2003).
Em seu terceiro álbum, a banda carioca alcança o ápice criativo e traduz com originalidade as angústias dos jovens recém-chegados à fase adulta. Dá, assim, um passo importante para se consolidar como o grupo que melhor associou o rock à MPB nos primeiros dez anos do século. Pouco depois do lançamento do disco, as canções de Marcelo Camelo e as de Rodrigo Amarante - líderes do conjunto, que hoje se apresenta esporadicamente - começaram a ser ouvidas nas vozes de outros talentos da mesma geração e também de veteranos, alçando a dupla à elite dos compositores brasileiros.

2 - Cê, de Caetano Veloso (Universal, 2006).
Quando ninguém imaginava que Caetano conseguisse se reinventar novamente, surge Cê. Os méritos do álbum têm de ser divididos com os jovens músicos que acompanharam o cantor: Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcelo Callado (bateria). Digerindo as referências roqueiras do trio, o baiano cria seu disco mais áspero, altamente influenciado pelos ruídos e pela concisão dos norte-americanos do Pixies. Até nas letras, Caetano é direto, transformando em versos saborosos a sua separação da empresária Paula Lavigne e questões sobre o envelhecimento.

3 - Ouro Negro, de Moacir Santos (MP,B, 2001).
Graças à persistência do violonista Mario Adnet e do saxofonista Zé Nogueira, Orfeu e outras composições geniais - mas um tanto esquecidas - de Moacir Santos (1924-2006) puderam reaparecer. A dupla de músicos, que assina a produção do disco, reuniu a nata do maestro pernambucano, num comovente trabalho de resgate histórico. Gilberto Gil, Ed Motta, Joyce, Milton Nascimento, João Bosco e Djavan contribuem com suas vozes. No entanto, quem brilha mesmo é o belo time de instrumentistas - do piano de Cristóvão Bastos ao sax alto de Nailor Proveta.

4 - À Procura da Batida Perfeita, de Marcelo D2 (Sony, 2003).
Os manos de São Paulo tiveram praticamente duas décadas para tentar abrasileirar o hip hop. Mas foi um carioca oriundo da cena rock quem tirou a ideia do papel. O ex-Planet Hemp Marcelo D2 acreditou na mistura de rap com samba e gravou um álbum (o segundo da carreira solo) que defende essa alquimia da primeira à última rima. O impacto acabou sendo tão forte que D2 ainda não conseguiu mudar de assunto - ou "virar o disco". Ele segue refém do estilo que criou, o que só reforça a importância de À Procura da Batida Perfeita.

5 - ...E o Método Túfo de Experiências, do Cidadão Instigado (Tratore, 2005).
Após um álbum de estreia impressionante, mas de difícil digestão (O Ciclo da Dê.Cadência, de 2002), a banda cearense Cidadão Instigado ressurgiu mais amena em seu segundo trabalho. O abrandamento, porém, não tirou a força das letras quilométricas e extremamente pessoais do líder Fernando Catatau (guitarra e voz), exímio em criar baladas ultrarromânticas, que se aproximam do brega. Tampouco enfraqueceu o principal achado do grupo: a fusão do rock progressivo e do rock psicodélico com ritmos nordestinos.

6 - Luz da Aurora, de Yamandú Costa e Hamilton de Holanda (Eldorado, 2009).
Gravado ao vivo, o álbum registra o encontro entre o violonista gaúcho e o bandolinista carioca. Dois virtuoses que conseguem exibir seus dotes sem se anularem mutuamente, uma combinação raríssima. Destaque para a faixa-título, uma das três composições escritas pela dupla.

7 - Tribalistas, de Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte. (Phonomotor/EMI, 2002).
"O tribalismo é um antimovimento/ Que vai se desintegrar no próximo momento", prometia Tribalistas, a faixa que explicava a junção dos três parceiros musicais neste álbum. E assim foi. Não houve show nem segundo CD, mas ficaram os sucessos Velha Infância e Já Sei Namorar.

8 - Rubinho & Força Bruta, de Rubinho Jacobina (Nikita Music, 2005).
O cantor carioca, autor de letras debochadas, já se destacava como um dos motores da Orquestra Imperial. Com seu disco de estreia, também se mostrou capaz de belos voos solos. O álbum oferece as deliciosas Dr. Sabe Tudo e Artista É o K, canções-símbolo da orquestra.

9 - Sem Nostalgia, de Lucas Santtana (YB Music, 2009).
Baiano radicado no Rio de Janeiro, Lucas iniciou sua trajetória como músico de Gilberto Gil. Experimentou o funk carioca e o dub até atingir a plenitude neste quarto álbum, que desconstrói e recombina o estilo de tocar violão de ícones como João Gilberto e Baden Powell.

10 - ...De Árvores e Valsas, de André Mehmari (Estúdio Monteverdi/Tratore, 2008).
Neste primeiro disco, totalmente dedicado às suas composições, Mehmari se exibe em 17 instrumentos. A valsa é o gênero que domina o repertório, ainda que ela apareça amalgamada com outros estilos. Mônica Salmaso contribui para o ótimo resultado.
Consultores: Carlos Calado, crítico e autor do livro O Jazz como Espetáculo; José Flávio júnior, jornalista, colaborador de Bravo! e apresentador do programa Qualquer Coisa na Rádio Oi FM; Pedro Alexandre Sanches, crítico e autor do livro Tropicalismo: Decadência Bonita do Samba


Dez discos fundamentais lançados por artistas estrangeiros

1 - Kala, de M.I.A. (XL/Interscope, 2007).
Desde o ótimo Arular (2005), seu primeiro disco, a inglesa M.I.A. ameaçava virar uma voz influente no universo pop. Mas foi só com Kala que o sucesso chegou. Ajudada por produtores do primeiro time, como Diplo e Timbaland, a filha de guerrilheiros cingaleses provou que suas rimas funcionam em cima das mais distintas bases, sejam ritmos indianos e africanos, seja o punk rock. Na essência, ela pinçou sons dos guetos, das periferias do mundo inteiro, e os transformou em algo absolutamente novo. Sem dúvida, um marco da música contemporânea.

2 - Sound of Silver, do LCD Soundsystem (EMI, 2007).
Neste início de século, Nova York voltou a ser o lugar mais interessante do mundo para o rock e para a eletrônica. E quem melhor captou o espírito vibrante da cidade foi o grupo liderado pelo produtor norte-americano James Murphy. A metrópole, tema constante do LCD, aparece no título da balada que encerra seu segundo e ótimo álbum: New York, I Love You but You're Bringing Me Down. O disco também traz North American Scum, espécie de pedido de desculpas pelas ações internacionais do governo Bush.

3 - The Greatest, de Cat Power (Matador, 2006).
Até o lançamento de The Greatest, a norte-americana Cat Power não podia ser levada muito a sério. Seus discos tinham boas ideias, mas execuções pífias. Tudo mudou quando a gravadora Matador descolou os músicos que acompanham Al Green para gravar com a cantora. O que antes parecia esboço virou obra de arte e a carreira de Cat tomou novo rumo. Ela extrapolou a plateia alternativa, atingindo exigentes fãs de soul e gospel. O diretor chinês Wong Kar-Wai também foi tocado pelo disco, peça fundamental na trilha do seu Um Beijo Roubado (em que a cantora faz uma ponta).

4 - Anything Goes, de Brad Mehldau (Warner, 2004).
Apesar de ser um compositor de raro talento, Brad Mehldau atingiu seu ponto máximo como intérprete nesse disco de músicas alheias. Acompanhado de baixo e bateria, o pianista norte-americano lapida em dez faixas a fórmula que começou a burilar na década de 1990. Trata com a mesma reverência standards do jazz e rocks de bandas veteranas ou mais novas. Para dar nome ao trabalho, ele escolheu um tema de Cole Porter. Mas as duas melhores recriações do álbum são Still Crazy After These Years, de Paul Simon, e Everything in Its Right Place, do Radiohead.

5 - Dimanche à Bamako, de Amadou & Mariam (Nonesuch, 2005).
O francês Manu Chao tem papel imprescindível na música pop global. No fim dos anos 80, como vocalista do Mano Negra, ele ajudou a adulterar o DNA branco do punk rock, adicionando ritmos árabes e caribenhos ao estilo. No final da década de 1990, transformou suas andanças sem fim num clássico contemporâneo (Clandestino). Sua terceira estocada foi a produção do quarto disco dessa dupla do Mali, que ele conheceu escutando rádio. O trabalho catapultou os cantores cegos ao estrelato, algo que não costuma acontecer com artistas africanos.

6 - Soviet Kitsch, de Regina Spektor (Sire/Warner, 2005).
Em seu primeiro registro por uma grande gravadora, a pianista e cantora russa equilibra influências da seara erudita, do jazz e do rock alternativo. Canções como Us, Carbon Monoxide e The Ghost of Corporate Future estão entre as melhores que ela já escreveu.

7 - Show Your Bones, do Yeah Yeah Yeahs (Universal, 2006).
Os holofotes na vocalista Karen O não impediram que os ouvintes mais atentos percebessem a bela carpintaria sonora do guitarrista Nick Zinner e do baterista Brian Chase nesse segundo CD da banda nova-iorquina. Se a ideia é fazer barulho, que seja com charme e perspicácia.

8 - Back to Black, de Amy Winehouse (Universal, 2006).
Os desdobramentos do êxito comercial deste disco se revelaram os piores possíveis: a cantora londrina aceitou virar o personagem drogado de sua própria canção (Rehab) e sem prognósticos de uma volta gloriosa. Mas a soul music ganhou mais um item na discoteca básica.

9 - Fatherfucker, do Peaches (XL, 2003). Em The Teaches of Peaches (2000),
a provocadora banda canadense já insinuava ter o poder de mexer com tabus sexuais usando bases eletrônicas minimalistas. No segundo álbum, o grupo só fez confirmar sua vocação anárquica, convidando Iggy Pop para uma ponta.

10 - Yoshimi Battles the Pink Robots, do Flaming Lips (Warner, 2002).
O disco é o segundo capítulo da reinvenção de uma instituição do indie rock norte-americano. O Flaming Lips das guitarras sujas e das alucinações sonoras fica ainda mais distante desse novo grupo, que achou um jeito de soar psicodélico sem perder a fofura.
Consultores: Carlos Calado; José Flávio junior; Pedro Alexandre Sanches


Música Erudita

1 - The Piano Concertos, de Brahms, por Nelson Freire e Orquestra Gewandhaus de Leipzig, sob a regência de Riccardo Chailly (Decca/Universal, 2006).
O pianista mineiro se beneficia do calor dessas gravações ao vivo e interage com o italiano Chailly em alto nível, tornando ainda mais engenhosos os dois concertos de Brahms.

2 - Choros, de Villa-Lobos, pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob a regência de John Neschling (Biscoito Fino, 2008-2009).
Trata-se da primeira gravação integral por uma mesma orquestra dos 12 Choros, a melhor obra do compositor carioca. Não bastasse, há a excelência dos solistas, como a pianista Cristina Ortiz e o violonista Fábio Zanon.

3 - Cantatas, de Bach, pelo Coro e Orquestra Monteverdi, sob a regência de John Eliot Gardiner (Soli Deo Gloria, 2004-2010).
Um projeto ambicioso: o britânico Gardiner e seus "monteverdianos" se propuseram a registrar ao vivo, em igrejas e com instrumentos de época, as mais de 200 cantatas sobreviventes de Bach. Por onde quer que o ouvinte inicie a jornada, vai se sentir recompensado.

4 - Obra Integral para Piano e Violoncelo, de Beethoven, por Menahem Pressler e Antonio Meneses (Avie/Clássicos, 2008).
O pianista norte-americano de origem alemã fundou o Beaux Arts Trio em 1955. O violoncelista pernambucano é, desde 1998, membro do grupo. Explica-se, assim, a intimidade do diálogo que travam em torno das cinco sonatas e dos três conjuntos de variações.

5 - Symphonic Poems, de Dvorák, pela Orquestra Filarmônica Tcheca, sob a regência de sir Charles Mackerras (Supraphon, 2010).
O maestro australiano morreu em julho, aos 84 anos. Como testamento, deixou interpretações notáveis para quatro dos poemas sinfônicos de Dvorák. Seu domínio sobre a orquestra que comandou por tanto tempo - e com tanto carinho - é absoluto.

6 - L'Orfeo, de Monteverdi, pelo Ensemble Elyma, sob a regência de Gabriel Garrido (K617, 2000).
A melhor gravação de ópera dos últimos dez anos no quesito qualidade artística.

7 - Saudações — Sertões Veredas, de Egberto Gismonti, pela Camerata Romeu, sob a regência de Zenaida Romeu (ECM, 2009).
A camerata cubana se destaca ao executar a peça sem partitura.

8 Symphonie No. 8, de Mahler, pela Orquestra Estatal de Berlim, sob a regência de Pierre Boulez (Deutsche Grammophon, 2007).
O que impressiona é o vigor do octogenário maestro francês.

9 - Sonatas for Piano & Violin, de Mozart, por Mitsuko Uchida e Mark Steinberg (Philips/Decca, 2010).
Nenhum asiático compreende (e toca) a música erudita europeia tão bem quanto a pianista japonesa.

10 - Piano Concertos, de Schumann & Grieg, por Leif Ove Andsnes e Filarmônica de Berlim, sob a regência de Mariss Jansons (EMI Classics, 2003).
Ótima oportunidade para conhecer o exímio pianista norueguês.
Consultores: Arthur Dapieve, jornalista, crítico e colaborador de bravo!;, Irineu Franco Perpetuo, crítico e correspondente no Brasil da revista espanhola Ópera Actual; João Marcos Coelho, produtor e apresentador do programa Concertos CPFL - Música Contemporânea, na Rádio Cultura FM, de São Paulo


Dança

Dez espetáculos fundamentais encenados no brasil

1 - Naturalmente - Teoria e Jogo de uma Dança Brasileira, de Antonio Nóbrega (2009).
O músico, coreógrafo e dançarino recifense oferece novas perspectivas para a dança contemporânea ao recriar movimentos e ritmos da tradição popular brasileira, como o coco, o samba, o choro, o tambor de crioula e o maracatu.

2 - Pororoca, de Lia Rodrigues (2009).
O espetáculo reúne elementos de todas as fases do trabalho da importante coreógrafa paulistana e culmina em uma síntese de sua linguagem. Baseado no fenômeno natural de mesmo nome, se expressa em corpos que evoluem como correntes contrárias, provocando misturas, choques e calmarias.

3 - Desassossego, de Marilena Ansaldi (2005).
Personalidade marcante das artes cênicas e pioneira no Brasil da dança-teatro, em que as técnicas de ambos se entrelaçam, a bailarina paulistana retornou ao palco depois de 12 anos de ausência e novamente arrebatou plateias com uma interpretação vigorosa de traços biográficos.

4 - Sapatos Brancos, de Luis Ferron (2010).
Sem cair no clichê do "típico brasileiro", o coreógrafo de São Paulo assina um espetáculo que discute a diversidade cultural do país, baseando-se em duas figuras emblemáticas do Carnaval, o mestre-sala e a porta-bandeira, e mesclando-as com a capoeira e a dança contemporânea.

5 - Tempo de Verão, de Márcia Milhazes (2004).
A carioca constrói um universo lírico com as valsas brasileiras, que ela explora com originalidade, em uma coreografia voltada para as filigranas dos movimentos. O belo cenário é de sua irmã, a artista plástica Beatriz Milhazes.

6 - Breu, de Rodrigo Pederneiras (2007).
O coreógrafo do Grupo Corpo deixa de lado marcas de trabalhos anteriores e desenvolve uma poética da violência e da barbárie.

7 - Adeus Deus, de Sandro Borelli (2005).
Obra pungente concebida pelo coreógrafo paulista como uma metáfora do suicídio. Sustenta sua dramaticidade em pequenos gestos.

8 - Três Solos e Um Dueto, com Mikhail Baryshnikov e Ana Laguna (2009).
O astro russo mostra sua capacidade de reinvenção no espetáculo que divide com a bailarina espanhola e que passou pelo país em 2010.

9 - Água, de Pina Bausch (2001).
A leveza que a alemã, morta em 2009, concedia às suas criações atinge o auge nesta montagem inspirada no Brasil.

10 - Só Tinha de Ser com Você, de Henrique Rodovalho (2005).
Com criatividade e harmonia, a Cia. Quasar, de Goiânia, dança músicas do disco Elis & Tom, de 1974.
Consultores: Adriana Pavlova, jornalista; Ana Francisca Ponzio, jornalista e ­editora do site www.conectedance.com.br; Ana Teixeira, artista, pesquisadora e ex-­diretora ­artística assistente do Balé da Cidade de São Paulo


Teatro

Dez espetáculos fundamentais encenados no Brasil

1 - Ensaio.Hamlet. Baseado em William Shakespeare. Direção de Enrique Diaz (2004).
A ousadia do grupo carioca Cia. dos Atores norteou a desconstrução e a recriação extremamente contemporâneas do clássico de Shakespeare. Hamlet.Ensaio, que celebrou os 15 anos da trupe, se constituía de trechos da obra original costurados a depoimentos dos atores, compondo uma estrutura dramatúrgica fragmentária que dava à peça um aspecto inacabado. Como em espetáculos posteriores da companhia, os intérpretes, em excelentes atuações, expunham o processo de montagem teatral e brincavam com os limites da representação em cena aberta.

2 - Hysteria. Dramaturgia do Grupo XIX de Teatro. Direção de Luiz Fernando Marques (2001).
O drama íntimo ganhou tons poéticos e políticos na primeira montagem do grupo paulistano, que partia dos conflitos de quatro mulheres trancadas em um hospício do século 19 para discutir a condição feminina naquela época e hoje. Ambientado em prédios históricos, o espetáculo deu novos ares à interação entre intérpretes e público pela intimidade que as atrizes estabeleciam com as mulheres da plateia, dispostas ao redor do espaço cênico. Os homens, acomodados um pouco mais longe, apenas observavam a ação que se desenrolava.

3 - Agreste. Dramaturgia de Newton Moreno. Direção de Marcio Aurélio (2004).
O premiado espetáculo consagrou um dos principais nomes da dramaturgia brasileira atual, o pernambucano Newton Moreno. Encenado pela Cia. Razões Inversas, Agreste contava uma história de amor homossexual entre lavradores nordestinos, permeada de delicadeza, surpresas e preconceito. Depois de um primeiro ato épico, em que a introdução era narrada ao público pelos atores-contadores de histórias, estes encarnavam os personagens, apoiados na linguagem simples e poética de Moreno e na encenação impecável de Marcio Aurélio.

4 - O Quarto. Dramaturgia de Harold Pinter. Direção de Roberto Alvim (2008).
A primeira peça do dramaturgo inglês Harold Pinter (1930-2008) foi radicalmente reinventada por Roberto Alvim. O diretor submeteu o espetáculo às experimentações do grupo paulistano Club Noir, fundado por ele e pela atriz Juliana Galdino em 2005. A penumbra e a ênfase no trabalho vocal dos atores embalaram a história do casal de meia-idade que conversava num quarto. Ao fugir do realismo, Alvim propôs uma nova leitura para o texto, expediente de que vem se utilizando em dramaturgias de outros autores contemporâneos.

5 - Os Sertões. Baseado em Euclides da Cunha. Direção de José Celso Martinez Corrêa (2002-2006).
Na epopeia de cinco espetáculos, apresentados ao longo de cinco anos na sede do Teatro Oficina, em São Paulo, José Celso Martinez Corrêa conseguiu dramatizar com extrema vitalidade um dos livros mais importantes (e áridos) de nossa literatura. Fez, assim, uma reflexão contundente sobre a identidade nacional. Figura ímpar da cena brasileira, Zé Celso viveu ele próprio o líder messiânico Antônio Conselheiro, protagonista da peça, e guiou seus atores-seguidores em meio a rituais festivos e catárticos, repletos de música.

6 - A Pedra do Reino. Baseado em Ariano Suassuna. Direção de Antunes Filho (2006).
Espetáculo grandioso que coroou o diálogo entre dois gigantes: o diretor paulistano e o romancista paraibano. Destacaram-se na encenação o uso do coro, marca registrada de Antunes, e o trabalho de corpo e voz dos atores.

7 - BR3. Dramaturgia de Bernardo Carvalho. Direção de Antônio Araújo (2005).
O Teatro da Vertigem, comandado por Araújo, radicalizou a proposta que o baliza desde a década de 1990: explorar lugares inusitados. Dessa vez, conseguiu a façanha de alocar o espetáculo no simbólico e poluidíssimo rio Tietê, em São Paulo.

8 - 4.48 Psychose. Dramaturgia de Sarah Kane. Direção de Claude Regy (2003).
De passagem pelo Brasil, a atriz francesa Isabelle Huppert hipnotizou o público paulistano. Permanecendo imóvel em cena durante duas horas, valeu-se apenas das palavras da dramaturga inglesa para demonstrar que a alma do teatro ainda é o ator.

9 - Os Sete Afluentes do Rio Ota. Dramaturgia de Robert Lepage. Direção de Monique Gardenberg (2002).
O espetáculo que melhor assimilou a linguagem do cinema nos últimos dez anos marcou a estreia de Monique na direção teatral. Ela abusou de múltiplos recursos cênicos para traçar um panorama envolvente da segunda metade do século 20.

10 - A Vida na Praça Roosevelt. Dramatur­gia de Dea Lohrer. Direção de Rodolfo García Vázquez (2005).
Os tipos que a alemã Dea Lohrer observou na praça Roosevelt, em São Paulo, elevaram-se e alcançaram uma tristeza poética na peça encenada pelo grupo Os Satyros.


Artes Plásticas

Dez artistas fundamentais

1 - Olafur Eliasson.
Quem circulou por Nova York entre junho e outubro de 2008 dificilmente deixou de se impressionar com o East River, rio que costuma passar despercebido em meio à confusão da metrópole. Naqueles meses, quatro cachoeiras artificiais jorraram de pontos estratégicos, como a ponte do Brooklyn (foto). Eram parte da mostra The New York City Waterfalls, do artista dinamarquês. Com ações desse tipo, Eliasson procura combater a indiferença que os habitantes das grandes cidades tendem a nutrir pelo entorno. Um jeito engenhoso de abordar um assunto urgente e, no entanto, tão desgastado: o cuidado com o planeta.

2 - Renata Lucas.
Em 2007, aos 36 anos, a paulista de Ribeirão Preto invadiu o jardim britanicamente planejado da Tate Modern com uma faixa diagonal de vegetação tirada da floresta. Introduziu, dessa maneira, o descontrole da natureza no ambiente calculado da galeria. E fez história como um dos brasileiros mais jovens a ocupar endereço tão nobre. Dois anos depois, instalou trechos de uma estrada de asfalto nos Giardini da Bienal de Veneza (foto) e propôs uma discussão oportuníssima sobre as fronteiras que separam a esfera pública da privada.

3 - Ai Wei Wei.
Na Alemanha, em 2007, durante a prestigiosa Documenta de Kassel, o artista de Pequim exibiu uma instalação (foto) com 1.001 portas e janelas de casas das dinastias Ming e Qing que vieram abaixo para dar lugar a construções modernas. O trabalho evidenciou a militância destemida e a criatividade do maior representante da festejada arte chinesa contemporânea. Em seu país, ele mantém um blog que sai frequentemente do ar, censurado pelo governo comunista por causa das denúncias contra a corrupção local.

4 - Cildo Meireles.
O veterano artista carioca apresentou, de outubro de 2008 a janeiro de 2009, uma retrospectiva na Tate Modern. A mostra, com 80 obras, entre elas Desvio para o Vermelho (foto), consagrou-o como um dos principais nomes da arte conceitual. "Ele vem assinando alguns dos trabalhos filosoficamente mais brilhantes, politicamente mais reveladores e esteticamente mais sedutores da atualidade", resumiu Vicente Todoli, um dos curadores da exposição em Londres.

5 - Rivane Neunschwander.
Na mostra A Day Like Any Other (Um Dia Como Outro Qualquer), que o New Museum de Nova York abrigou neste ano, a mineira de Belo Horizonte contratou policiais para desenhar o retrato-falado do primeiro amor dos visitantes. Também fez "chover" com a ajuda de baldes cheios d'água (foto). Deu, assim, continuidade a seu intrigante projeto de reorganizar o mundo, oferecendo-lhe novos sentidos.

6 - Marina Abramovic.
Entre março e maio últimos, a artista sérvia protagonizou uma performance memorável no átrio do Museu de Arte Moderna de Nova York: ficou por mais de 700 horas sentada em silêncio, olhando fixamente para quem se dispusesse a encará-la. Parte das 850 mil pessoas que assistiram à ação chorou.

7 - Damien Hirst.
Em setembro de 2008, o britânico passou por cima dos marchands e organizou o leilão de suas próprias criações na Sotheby's de Londres. Com uma só tacada, quebrou as regras do mercado, transformou o ato de comercializar a arte em espetáculo e embolsou mais de US$ 200 milhões.

8 - Assume Vivid Astro Focus.
O coletivo multinacional promove festas psicodélicas e lhes dá o status de performances. Uma das mais divertidas ocorreu em 2005, no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles. Chamava-se Ecstasy.

9 - Takashi Murakami.
Até o fim de dezembro, o japonês exibe esculturas e pinturas de viés lúdico no solene Palácio de Versalhes, na França. A mostra tanto celebra quanto fustiga a cultura da toy art, que se disseminou pelo mundo nos últimos anos, e a "síndrome de Peter Pan", que acomete muitos adultos de hoje.

10 - Chelpa Ferro.
O grupo do paulistano Luiz Zerbini e dos cariocas Barrão e Sergio Mekler abriu o século com Autobang, uma ação desconcertante e catártica que ganhou corpo na 25ª Bienal de São Paulo, em 2002. Auxiliados pelo público, os artistas destruíram a marretadas um carro Maverick modelo 1974.
Consultores: Agnaldo Farias, curador da 29ª Bienal de São Paulo e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; Fernando Oliva, curador, professor e editor do Caderno Sesc Videobrasil 6 (Turista/Motorista);, Rodrigo Moura, curador do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG)


Literatura

Dez livros fundamentais de autores brasileiros

1 - O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza (Record, 2007).
O escritor catarinense estreou na literatura com Trapo em 1988. Depois de inúmeros livros, atingiu a maturidade nesse romance de 2007, baseado em sua própria experiência. A obra conta a história de um pai cujo filho nasce com síndrome de Down. Extremamente corajoso, o autor esmiuça o aprendizado de amar uma criança diferente, sem ocultar o ressentimento e o ódio, que inundam o protagonista ao longo da penosa jornada.

2 - Em Alguma Parte Alguma..., de Ferreira Gullar (Record, 2010).
Aos 80 anos, e após uma década sem publicar poesia, o autor maranhense reinventa-se em um momento da vida no qual muitos se acomodam ou se repetem. Teimoso e conservador como crítico de artes plásticas, Gullar segue caminho oposto na seara poética: vibra cada corda de seus versos com a lucidez da velhice e o frescor de um jovem. Escrevendo tanto sobre as coisas prosaicas, como uma bananeira, quanto sobre a iminência da morte, desnuda a imensa fragilidade da condição humana, mas não sucumbe à autopiedade.

3 - Budapeste, de Chico Buarque (Companhia das Letras, 2003).
Terceiro livro da fase madura do compositor e escritor carioca, Budapeste é um labirinto linguístico, um jogo de espelhos que, no entanto, jamais se mostra hermético. O romance também flerta com o nonsense ao contar as desventuras de um ghostwriter que vai para a Hungria. O narrador-protagonista, escorregadio, em nenhum momento permite aos leitor concluir se está ou não dizendo a verdade. Às peripécias do personagem, associa-se um olhar mordaz sobre a dinâmica social que cria celebridades instantâneas e vazias.

4 - Cinzas do Norte, de Milton Hatoum (Companhia das Letras, 2005).
Em seu terceiro romance, o autor de Manaus, descendente de uma família árabe, narra a trajetória de dois meninos nascidos na Amazônia durante a década de 1950. Costurando memória e ficção, acaba por traçar o retrato moral de sua geração. Uma das qualidades do livro é espelhar o conflito de um dos protagonistas com o pai tirânico no autoritarismo do regime militar brasileiro a partir de 1964.

5 - Nove Noites, de Bernardo Carvalho (Companhia das Letras, 2002).
O sexto livro do escritor conta a história real do antropólogo norte-americano Buell Quain, que se matou em 1939, poucos dias depois de deixar uma aldeia indígena no Xingu (MT), onde Carvalho passou parte de sua infância. Cheio de pontos falsos, mais que de apoios, a obra assinala um momento de desvio no percurso do autor, sempre imaginativo e distante de sua própria biografia.

6 - O Pão do Corvo, de Nuno Ramos (Editora 34, 2001).
Nas 17 narrativas curtas do livro, o artista plástico paulistano demonstra habilidade incomum para fundir a linguagem literária à ensaística.

7 - Meio Intelectual, Meio de Esquerda, de Antonio Prata (Editora 34, 2010).
Transcrevendo a oralidade urbana de hoje, o jovem autor paulistano atualiza um dos gêneros mais fortes que a literatura brasileira produziu: a crônica.

8 - Esquimó, de Fabrício Corsaletti (Companhia das Letras, 2010).
Aos 31 anos, paulista de Santo Anastácio, Corsaletti dedica-se a uma poesia coloquial e lírica que lembra Manuel Bandeira e alguns momentos de Carlos Drummond de Andrade.

9 - Pornopopéia, de Reinaldo Moraes (Objetiva, 2009).
Depois de anos sem se aventurar pelo romance, Moraes retorna ao gênero como um escritor experimental que mistura a mais pura galhofa à saga marginal de um ex-cineasta.

10 - Crônicas Inéditas, de Manuel Bandeira (Cosac Naify, 2008).
Um dos maiores poetas brasileiros, Bandeira finalmente tem todas as suas crônicas reunidas em livro. Nelas, mostra-se um estilista tão arguto e fino como em sua melhor poesia.

Consultores: Almir de Freitas, ex-editor de livros e teatro de BRAVO! e atual editor-sênior da LOLA Magazine, publicada pela Editora Abril; Paulo Roberto Pires, crítico, colaborador de Bravo! e editor da revista Serrote, publicada pelo Instituto Moreira Salles; Paulo Werneck, editor do caderno Ilustríssima, da Folha de S.Paulo


Dez livros fundamentais de autores estrangeiros

1 - Austerlitz, de W. G. Sebald (Companhia das Letras, 2008).
Essa obra-prima do autor alemão foi publicada originalmente em outubro de 2001, dois meses antes de ele morrer. Misturando ficção, memorialismo e ensaio, Sebald renovou o tema do Holocausto, tão caro a seus compatriotas. Austerlitz incomoda menos pelo assunto de que trata e mais pela maneira como o escritor junta os estilhaços do passado, sem deixar que a culpa frente à monstruosidade dos campos de extermínio contamine a narrativa.

2 - 2666, de Roberto Bolaño (Companhia das Letras, 2010).
Não é tarefa fácil para o leitor vencer as mais de mil páginas do romance póstumo de Bolaño (1953-2003). Dividido em quatro histórias, que têm como cenário países europeus e o México, o romance do autor chileno oferece uma das mais significativas reflexões sobre o modo fragmentado e anticartesiano pelo qual o homem contemporâneo percebe o mundo. Pode ser lido também como uma denúncia das atrocidades cometidas pelos cartéis mexicanos do narcotráfico.

3 - De Verdade, de Sándor Márai (Companhia das Letras, 2008).
O escritor húngaro, que morreu há duas décadas, desfrutou de grande popularidade em seu país no entreguerras. Nesse livro magnífico, relata a separação de um casal sob o prisma de quatro narradores. Ao mesmo tempo, revela os conflitos íntimos e sociais vividos pelos burgueses da época e sugere, nas entrelinhas, que o sonho da unificação europeia nunca se concretizará realmente.

4 - Neve, de Orhan Pamuk (Companhia das Letras, 2006).
Prêmio Nobel de 2006, o turco Pamuk tornou-se mundialmente conhecido com essa obra, cujo protagonista é o poeta e jornalista Ka. O personagem retorna à Turquia após um exílio político na Alemanha e vai cobrir as eleições em uma cidadezinha do interior. Escrito como um romance policial sombrio, repleto de humor negro, Neve espelha o abismo cultural que separa o Oriente do Ocidente e o choque entre estados teocráticos e laicos.

5 - A Marca Humana, de Philip Roth (Companhia das Letras, 2002).
O professor negro Silk cai em desgraça depois de sofrer uma falsa acusação na faculdade onde trabalha e se exila em casa. Com um enredo simples, o escritor norte-americano Philip Roth, de 77 anos, recobra o vigor ao colocar o dedo em umas das feridas mais dolorosas da história dos Estados Unidos: o racismo.

6 - Reparação, de Ian McEwan (Companhia das Letras, 2002).
Ao relatar uma tragédia familiar, o romance do escritor inglês aponta a arte como um caminho para "embelezar" o mundo e compensar os estragos causados pela violência de nosso desejo.

7 - Liquidação, de Imre Kertész (Companhia das Letras, 2005).
O suicídio do dramaturgo B. serve de mote para o romancista húngaro refletir de forma brilhante sobre o confronto do indivíduo com o poder da história.

8 - Doutor Passavento, Henrique Vila-Matas (Cosac Naify, 2010).
O que resta ao escritor contemporâneo? Desaparecer, responde o espanhol Vila-Matas. Nesse livro engenhoso, ele persegue as pistas de um romancista que não queria ser publicado, numa clara crítica à sociedade do espetáculo.

9 - O Iceberg Imaginário e Outros Poemas, de Elizabeth Bishop (Companhia das Letras, 2001).
Nessa antologia, com inéditos, da importante poeta norte-americana, morta em 1979, tem-se a chance de conhecer suas impressões sobre o Brasil, onde ela morou por quase 15 anos.

10 - Plataforma, de Michel Houellebecq (Record, 2002).
Girando em torno do turismo sexual, o romance demole os últimos vestígios do iluminismo ao defender a tese de que a Europa perdeu seu poder civilizatório. Para o escritor francês, o continente tornou-se tão desprezível que não merece nem mesmo existir.

Consultores: Almir de Freitas; Paulo Roberto Pires; Paulo Werneck.